quarta-feira, 16 de março de 2011

O Pagamento pelos Bons Serviços

Versos Íntimos
Augusto dos Anjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
   * (*) *

   Meditando esse soneto, pude encontrar nele a angústia e o desespero de todos aqueles que por anos deram sua vida por um ideal ou uma causa, e da noite para dia, tiveram uma grande decepção. A quem aplicar versos tão violentos, senão aos inúmeros irmãos de farda que hoje sofrem as sanções injustas de carrascos insensatos?
  
   Augusto dos Anjos, ao compor esses versos, talvez tivesse diante dos olhos a realidade a que estão submetidas inúmeras almas; principalmente quando estas vivem sujeitas ao rigores castrenses. Uma poesia onde o autor derrama seu espíríto, e onde expõe a mazela social e as ilusões latentes em todos os que se sobrepõe à lógica maquiavélica da Sociedade.

   Sob o foco primordial da preservação da vida, do cumprimento da Lei e da manutenção da ordem pública, nós policiais militares nos arriscamos todos os dias. Pomos nossa vida em risco, e dessa maneira cumprimos o juramento feito no dia em que ingressamos na Corporação a que pertencemos. Dia após dia, noite após noite; sacrificamos o convívio com familiares; somos os primeiros a chegar, os últimos a sair. Vivemos uma vida marcada pela adrenalina, e pontilhada pela incerteza da próxima ocorrência. Enfim, apesar de sermos de carne e osso, somos tidos como invulneráveis; e consegüentemente, os escolhidos para resolver os problemas indesejáveis que muitos têm medo de solucionar.

   Estamos cientes de que em nosso meio existem maus profissionais, e que estes mancham por completo o estandarte e as divisas que defendemos; todavia, somos e sempre seremos injustiçados por nossos próprios irmãos de farda, se é que Oficiais consideram esse preceito que carregamos e respeitamos em nossos círculos. Eles nunca estarão satisfeitos com os nossos desempenhos, e se por ventura, um dia tivermos que defender nossa própria vida, prestaremos contas e sofremos na maioria das vezes a penalização mais dolorosa: a exclusão das fileiras pelas quais sacrificamos toda a nossa existência.

   É por esses e outros motivos, que o sonho de ser um policial militar pode se transformar em pesadelo infindável e doloroso;  principalmente quando somos meros graduados a mercê de classe de oficiais carniceiros e insensatos. Pessoas que vendem suas mães aos políticos por uma promoção, pessoas que diante dos autos vêem somente os seus interesses, e os interesses dos grandiosos corruptos que estão por trás de todos eles.

   Esse é o modo como os policiais militares do Brasil inteiro vêm sendo tratados. Os maus profissionais merecem o destino que lhes é dado, porém muitas das vezes nossos irmãos são injustiçados pelo simples fato de oficial fulano não o ver com bons olhos. Como expus, tudo para satisfazer secretários de segurança que não dão a mínima importância àquilo que se passa dentro das guarnições de rua, expostas todo santo dia à criminalidade e ao perigo.

   Seria um desabafo essas colocações, mas na realidade tudo isso é um libelo. Um libelo de acusação contra toda essa corja de corregedores e secretários de segurança do País inteiro, que na maioria das vezes expulsam pais de família sem lhes dar nenhuma opção ou direito de defesa. Diante dos Conselhos de Disciplina (que mais parecem o Tribunal da Inquisição) somos meras ovelhas mudas guidas ao matadouro. A Constituição Brasileira talvez tenha algum valor, mas somente para civis, pois ao policail militar ela não traz nenhuma benfeitoria.

   Nós sabemos que estamos nas mãos desses carniceiros. Oficiais e secretários de segurança pública, sabemos que somos meros joguetes nas mãos desses porcos; que se um dia viermos a cometer algum vacilo nossos serviços bem prestados, elogios e demais referências de nada servirão. Então, só nos basta orar todos os dias para não cairmos nas mãos desses carrascos, e nos conformarmos com as sábias palavras do poeta: o beijo, amigo, é a véspera do escarro. A mão que afaga, é a mesma que apedreja.

O Sentinela

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