quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O Costume que "mata" o Corpo...


"Não foram poucas as vezes que vi a piedade enganar-se. Nós, que governamos os homens, aprendemos a sondar-lhes os corações, para só a objeto digno de estima dispensarmos a nossa solicitude. (...)

Houve uma altura da minha mocidade em que senti piedade dos mendigos e das suas úlceras. Até chegava a contratar curandeiros e a comprar bálsamos por causa deles. As caravanas traziam-me de uma ilha longínqua ungüentos derivados de ouro, que têm a virtude de voltar a compor a pele em cima de carne.

Tinham como artigo de luxo aquele insuportável fedor. Surpreendi-os a coçar e a regar com esterco aquelas feridas, como quem aduba uma terra para dela extrair a flor cor de púrpura.

Mas, apenas o mal os deixava, descobriam-se eles sem importância. Já nada alimentavam que fosse deles próprios, achavam-se inúteis. O único remédio era ressuscitar de novo essa úlcera que vivia à custa deles."

Cidadela I

   Estive observando a condição humana, e cheguei a conclusão, triste é claro, de que existem pessoas acostumadas à desgraça. Pessoas estas, que de tanto conviver com o que não presta, tornam isso em motivo de existência e não desenvolvem o hábito da boa convivência, perdendo assim a capacidade de desapegar-se do mal.

   Para essas pessoas, a falta das mazelas as deixa sem ''chão", sem significado. E elas têm que cultivar a desgraça e o mau para que suas míseras existências vegetativas possam adquirir algum sentido. Sem o que não presta, elas reconhecem-se "sem importância."

   Há um certo ditado que casa bem com o que acabei de dizer: "é o costume que mata o corpo."

   Talvez seja difícil compreender, mas quando você encontrar uma pessoa envolvida em uma discussão que já se arrasta "por séculos" - principalmente quando envolve familiares e esta pessoa tem uma chance de evitar ou dar um fim a esta situação - pode ter certeza do que eu disse anteriormente. Não se apiede dessa pessoa, nem a julgue; apenas entenda uma coisa: a vida desse ente só tem sentido por causa dessa desavença.

   As palavras do nosso patrono na abertura de sua célebre obra traduz bem essa afirmação.

   E por fim, o grande X da questão está numa simples constatação: se existem aqueles que se acostumam com o bem, existem também aqueles que jamais se acostumaram com ele; e ao contrário, vivem em função do mal e de tudo aquilo que ele pode trazer de "bom" às suas míseras existências.

*** 

Por Maximus Decimus Meridius

Nenhum comentário:

Postar um comentário