ORAÇÃO DA SOLIDÃO
“Tende
piedade de mim, Senhor, porque me esmaga a minha solidão.
Não há nada que eu
espere. Aqui estou eu neste quarto, onde nada me fala. E, no entanto, não são
presenças que eu solicito; se mergulhar na multidão, ainda me descubro mais
perdida. Mas aquela outra que se parece comigo, também sozinha num quarto
semelhante, aí a tens cumulada, se os seres da sua ternura vagueiam pela casa.
Ela não os ouve nem os vê. De momento, não recebe nada deles. Mas, para ser feliz,
basta-lhe saber a casa habitada.
“Senhor, também não peço nada que se veja ou
se ouça. Os vossos milagres não são para os sentidos. Para me curardes,
basta-vos iluminar-me o espírito acerca da minha morada.
“Senhor, se o viajante
perdido no deserto pertence a uma casa habitada, ele goza dela, muito embora a
saiba nos confins do mundo. Não há distância que o impeça de ser alimentado por
ela e, se morrer, morre no amor... Eu nem mesmo peço, Senhor, que a minha
morada seja perto de mim.
“O transeunte perdido no meio da multidão
transfigura-se ao ser ferido por um rosto, mesmo que o rosto não seja para ele.
Assim esse soldado apaixonado pela rainha. Ele se torna soldado de uma rainha.
Senhor, eu nem mesmo peço que me prometas essa morada.
“Há, ao longo dos mares,
destinos ardentes votados a uma ilha que não existe. Os do navio cantam o
cântico da ilha e sentem-se felizes com isso. Não é a ilha que os cumula, mas o
cântico. Senhor, eu nem mesmo peço que essa morada exista nalguma parte...
“A
solidão, Senhor, é apenas fruto de um espírito que está doente. Ele não habita
senão numa pátria, a qual é sentido das coisas. Assim o templo, quando é
sentido das pedras. Só tem asas para esse espaço. Não goza com os objetos, mas
apenas com o rosto que se lê através deles e que os liga uns aos outros. Fazei
simplesmente com que eu aprenda a ler.
“Nessa altura, Senhor, ter-se-á acabado
a minha solidão.
***
Por Maximus Decimus Meridius
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