Em
um mundo anêmico de Deus ...um recado aos sacerdotes*
Do Cardeal Mauro Piacenza, prefeito da Congregação
para o Clero, em palestra dada nos Estados Unidos a um grupo de sacerdotes
Dorothy Thompson, escritora americana, decênios atrás, publicou em um artigo para uma revista os resultados de uma acurada pesquisa sobre o famigerado campo de concentração de Dachau. Uma pergunta-chave relativa aos sobreviventes era esta: “Quem, em meio ao inferno de Dachau, permaneceu mais tempo em condições de equilíbrio? Quem manteve durante mais tempo o senso próprio de identidade?”. A resposta foi unânime e sempre a mesma: “Os padres católicos”. Sim, os padres católicos! Esses conseguiram manter-se no próprio equilíbrio, no meio de tanta loucura, porque eram conscientes da vocação deles. Esses tinham sua escala hierárquica de valores. A dedicação deles ao ideal era total. Esses eram conscientes da sua missão específica e das motivações profundas que a levantou. Em meio ao inferno terreno, esses portavam seu testemunho: aquele de Jesus Cristo!
Dorothy Thompson, escritora americana, decênios atrás, publicou em um artigo para uma revista os resultados de uma acurada pesquisa sobre o famigerado campo de concentração de Dachau. Uma pergunta-chave relativa aos sobreviventes era esta: “Quem, em meio ao inferno de Dachau, permaneceu mais tempo em condições de equilíbrio? Quem manteve durante mais tempo o senso próprio de identidade?”. A resposta foi unânime e sempre a mesma: “Os padres católicos”. Sim, os padres católicos! Esses conseguiram manter-se no próprio equilíbrio, no meio de tanta loucura, porque eram conscientes da vocação deles. Esses tinham sua escala hierárquica de valores. A dedicação deles ao ideal era total. Esses eram conscientes da sua missão específica e das motivações profundas que a levantou. Em meio ao inferno terreno, esses portavam seu testemunho: aquele de Jesus Cristo!
Vivemos em um mundo
instável. Existe uma instabilidade na família, no mundo do trabalho, nos vários
grupos sociais e profissionais, nas escolas e instituições. O padre, porém, deve constitucionalmente ser
um modelo de estabilidade e de maturidade, de dedicação plena ao seu apostolado.
No caminho inquieto da sociedade, existe muitas vezes uma interrogação à mente
do cristão: “Quem é o sacerdote no mundo de hoje? É um marciano? É um alienado?
É um fóssil? Quem é?”. A secularização, o
gnosticismo, o ateísmo nas suas várias formas, estão reduzindo sempre mais o
espaço do sagrado, estão sugando o sangue do conteúdo da mensagem cristã.
Os homens das técnicas e do bem-estar, o povo caracterizado pela febre do
“aparecer”, demonstram uma extrema pobreza espiritual. São vítimas de uma grave
angústia existencial e se mostram incapazes de resolver os problemas de fundo
da vida espiritual, familiar e social.
Se quiséssemos interrogar
a cultura mais difundida, perceberíamos que essa é dominada e impregnada pela
dúvida sistemática e pela suspeita contra tudo o que concerne à fé, à razão, à
religião, à lei natural. “Deus é uma hipótese inútil – escreveu Camus – e estou
perfeitamente seguro que não me interessa”.
Na melhor das hipóteses,
um pesado silêncio cai sobre Deus; mas se chega rapidamente à afirmação do
insanável conflito das duas existências destinadas a eliminar-se: ou Deus ou o
homem. Se, então, lançássemos um olhar panorâmico sobre os comportamentos
morais, não poderíamos fugir da constatação da confusão, da desordem, da
anarquia que reina neste campo. O homem se faz o criador do bem e do mal.
Concentra egoisticamente a atenção sobre si. Substitui a norma moral pelo próprio
desejo e procura o próprio interesse.
Neste contexto, a vida e o ministério do sacerdote são de
importância decisiva e urgente atualidade. Na verdade - deixe-me dizer –
que quanto mais é marginalizado mais é
importante, mais é considerado superado e mais é atual. O sacerdote deve proclamar ao mundo a mensagem eterna de
Cristo, na sua pureza e radicalidade; não deve diminuir a mensagem, mas deve,
ao contrário, elevar as pessoas; deve dar à sociedade anestesiada pelas
mensagens de certos regentes oculto, detentores dos poderes, a força
libertadora de Cristo. Todos sentem a necessidade de reformas sociais,
econômicas e políticas; todos desejam que, nas lutas sindicais e no discurso
econômico seja reja reafirmada e observada a centralidade do homem e a perseguição
dos objetivos de justiça, solidariedade, de convergência ao bem comum. Tudo
isso permanecerá somente um sonho, se não se mudar o coração do homem, de
tantos homens, que por sua vez renovem as estruturas.
Vejam, o verdadeiro campo de batalha da Igreja é a
mundo secreto da alma do homem e nele não se entra sem muito tato, muita
compunção, além que com a graça de estado prometida do sacramento da ordem.
É justo que o padre se insira na vida, na
vida comum dos homens, mas não deve ceder ao conformismo e aos compromissos da
sociedade. A sã doutrina, mas também a documentação história que demonstram que
a Igreja é capaz de resistir a todos os ataques, a todos os assaltos que possam
acontecer contra ela, de todas as potências políticas, econômicas e culturais,
mas não resiste ao perigo que deriva do esquecimento desta palavra de
Jesus: “Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo”. Jesus mesmo indica a
conseqüência deste esquecimento: “Se o sal se torna insípido, como se
preservará o mundo da corrupção?” (cfr. Mt 5, 13-14).
A que serviria um
sacerdote assim assemelhado ao mundo, tornado um padre mimetizado e não mais
fermento transformador? De frente a um mundo anêmico de oração e adoração, o
sacerdote é, em primeiro lugar, o homem da adoração e da oração, do culto, da
celebração dos santos mistérios. De frente a um mundo submerso em consumismo,
pansexualismo, atacado pelos erros, apresentados nos aspectos mais sedutores, o sacerdote precisa falar de Deus e das
realidades eternas e, para podê-lo fazer de modo credível, deve ele mesmo crer
apaixonadamente, assim como deve ser “limpo”!
O padre deve aceitar as
impressões de ser no meio do meio do povo como alguém que parte de uma lógica e
fala uma língua diferente dos outros: “Não vos conformeis à mentalidade deste
mundo” (Rm 12,2). Ele não é como “os outros”. O que as pessoas esperam dele é
exatamente que não seja “como todos os outros”. Diante de um mundo imerso na
violência e corroído pelo egoísmo, o padre de ser o homem da caridade. Das
montanhas puríssimas do Amor de Deus, do qual faz uma particularíssima
experiência, desce aos vales, aonde muitos vivem as suas vidas de solidão, de
incomunicabilidade, de violência, para anunciar a Misericórdia, Reconciliação e
Esperança. O sacerdote responde às exigências da sociedade, fazendo-se voz de
quem não tem voz: os pequenos, os pobres, os anciãos, os oprimidos, os
marginalizados. Não pertence a si mesmo, mas aos outros. Não vive para si e não
procura que é seu. Procura aquilo que é de Cristo, isto é, que é dos seus
irmãos. Compartilha as alegrias e dores de todos, sem distinção de idade, de
categoria social, de facção política, de prática religiosa. Ele é o guia da
porção do povo que lhe é confiada. Certamente, não é o condutor de um exército
anônimo, mas pastor de uma comunidade formada por pessoas que têm, cada uma,
seus nomes, suas histórias, seus destinos, seus segredos.
O sacerdote tem a difícil, mas exaltante tarefa, de
guiar estas pessoas com a mais religiosa atenção e com o mais escrupuloso
respeito pela sua dignidade humana, seu trabalho, seus direitos, com a plena
consciência que, às condições deles de filhos de Deus corresponde em si uma
vocação eterna, que se realiza na plena
comunhão com Deus. O sacerdote não hesitará em dar a vida, ou em uma breve, mas
intensa, temporada de dedicação generosa e sem limites, ou em uma doação
quotidiana, longa, no gotejamento de humildes gestos de serviço ao seu povo,
direcionado sempre à defesa e formação da grandeza humana e do crescimento
cristão de todos os simples fiéis e do inteiro povo seu.
Um padre deve ser ao
mesmo tempo pequeno e grande, nobre de espírito como um rei, simples e natural
como um camponês. Um herói na conquista de si, o soberano dos seus desejos, um
servidor para os pequenos e débeis; que não se abaixa diante dos poderosos, mas
que se curva diante dos pobres e dos pequenos, discípulo do seu Senhor e líder
de seu rebanho. Nenhum dom mais precioso pode ser concedido a uma comunidade
que um sacerdote segundo o coração de Cristo. A esperança do mundo consiste no
poder contar, também para o futuro, com o amor de corações sacerdotais
límpidos, fortes e misericordiosos, livre, generosos e fiéis.
Amigos, se os ideais são
altos, a estrada difícil, o terreno talvez também minado, as incompreensões são
muitas, mas tudo podemos n’Aquele que nos conforta (cfr. Fl 4, 13). O eclipse
da luz de Deus e do Seu amor não é a extinção da luz e do amor de Deus. Já
amanhã aquilo que estava interposto, obscurecendo a fé, colocando o mundo numa
escuridão assustadora, poderá diluir-se, e depois da longa pausa, longa demais
do eclipse, retornar o sol, pleno e esplêndido. Acima das inquietações e
contestações que agitam o mundo, e se fazem sentir também dentro da Igreja,
estão em ação forças secretas, escondidas e fecundas de santidade. Acima dos
rios de palavras e discursos, dos programas e planos, das iniciativas e das
organizações, estão almas santas que rezam, sofrem, expiam adorando o
Deus-conosco. Entre esses há crianças e adultos, homens e mulheres, jovens e
idosos, cultos e ignorantes, doentes e sadios, e há também tantos sacerdotes,
que não somente são dispensadores dos mistérios de Cristo, mas na Babel atual,
permanecem sinais seguros de referência e esperança para quantos procuram a
plenitude, o sentido, o fim, a felicidade.
*grifo nosso. Este trecho não faz parte do título do texto original.
***
Por Saulo de Tarso
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