domingo, 9 de setembro de 2012

Gotas da Sabedoria Exuperiana

Do nosso Patrono, mais um excerto de sua obra suprema, a Cidadela. A todos os nossos leitores, Agentes e Amigos:


ORAÇÃO DA SOLIDÃO

“Tende piedade de mim, Senhor, porque me esmaga a minha solidão. 

   Não há nada que eu espere. Aqui estou eu neste quarto, onde nada me fala. E, no entanto, não são presenças que eu solicito; se mergulhar na multidão, ainda me descubro mais perdida. Mas aquela outra que se parece comigo, também sozinha num quarto semelhante, aí a tens cumulada, se os seres da sua ternura vagueiam pela casa. Ela não os ouve nem os vê. De momento, não recebe nada deles. Mas, para ser feliz, basta-lhe saber a casa habitada. 
   “Senhor, também não peço nada que se veja ou se ouça. Os vossos milagres não são para os sentidos. Para me curardes, basta-vos iluminar-me o espírito acerca da minha morada. 

   “Senhor, se o viajante perdido no deserto pertence a uma casa habitada, ele goza dela, muito embora a saiba nos confins do mundo. Não há distância que o impeça de ser alimentado por ela e, se morrer, morre no amor... Eu nem mesmo peço, Senhor, que a minha morada seja perto de mim. 

   “O transeunte perdido no meio da multidão transfigura-se ao ser ferido por um rosto, mesmo que o rosto não seja para ele. Assim esse soldado apaixonado pela rainha. Ele se torna soldado de uma rainha. Senhor, eu nem mesmo peço que me prometas essa morada. 

   “Há, ao longo dos mares, destinos ardentes votados a uma ilha que não existe. Os do navio cantam o cântico da ilha e sentem-se felizes com isso. Não é a ilha que os cumula, mas o cântico. Senhor, eu nem mesmo peço que essa morada exista nalguma parte... 
   “A solidão, Senhor, é apenas fruto de um espírito que está doente. Ele não habita senão numa pátria, a qual é sentido das coisas. Assim o templo, quando é sentido das pedras. Só tem asas para esse espaço. Não goza com os objetos, mas apenas com o rosto que se lê através deles e que os liga uns aos outros. Fazei simplesmente com que eu aprenda a ler. 
   “Nessa altura, Senhor, ter-se-á acabado a minha solidão.

***

Por Maximus Decimus Meridius

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